A toca do coelho dava diretamente em um túnel, e então se aprofundava
repentinamente. Tão repentinamente que Alice não teve um momento sequer para
pensar antes de já se encontrar caindo no que parecia ser bastante fundo.
Ou aquilo era muito fundo ou ela caía muito devagar, pois a menina tinha
muito tempo para olhar ao seu redor e para desejar saber o que iria acontecer a
seguir. Primeiro, ela tentou olhar para baixo e compreender para onde estava
indo, mas estava escuro demais para ver alguma coisa; então, ela olhou para os
lados do poço e percebeu que ele era cheio de prateleiras: aqui e ali ela viu
mapas e quadros pendurados em cabides. Alice apanhou um pote de uma das
prateleiras ao passar: estava etiquetado "GELEIA DE LARANJA",
mas para seu grande desapontamento estava vazio: ela não jogou o pote fora por
medo de machucar alguém que estivesse embaixo e por isso precisou fazer algumas
manobras para recolocá-lo em uma das prateleiras.
Para baixo, para baixo, para baixo. Essa queda nunca chegará ao fim?
Ela começou a notar curiosamente que as prateleiras nas paredes daquele
buraco sem fim foram substituídas a cada metro mais abaixo por objetos, às
vezes brancos, às vezes amarelados, que a princípio ela não compreendeu o que
seriam de fato. Até que Alice pode ver com perfeita clareza um crânio de uma
pessoa, igual aos que já vira em um livro de gravuras sobre o corpo humano. Ela
se virou para o outro lado de não repugnante que aquela imagem lhe era, porém
para sua surpresa e terror, as paredes de pedra e areia escura, estavam ficando
quase que completamente tomadas por aquelas ossadas. Às vezes apenas algumas
partes, outras, como ela notara uma ou duas vezes durante aquela queda, havia
um esqueleto completo.
"Eu adoraria saber quantas milhas eu caí até agora, tudo parece
estar ficando tão diferente", ela disse em voz alta e estremecida,
abraçando seus próprios braços se protegendo de um frio que não existia. O frio
do medo. "Eu devo estar chegando em algum lugar perto do centro da terra.
Deixe-me ver. Até aqui eu já desci umas 400 milhas, eu acho...”
Logo Alice foi interrompida bruscamente pelo seu vestido que levantara
de maneira tão violenta que machucara seu rosto; ela estava caindo mais rápido
agora, a cada minuto numa velocidade maior.
Alice não pode conter um grito, e o seu coração acelerado pelo susto
atrapalhava um pouco os seus pensamentos e ela não conseguia mais saber se caia
para baixo ou para cima, pois tudo parecia ao contrario agora. “Ora, como posso
estar caindo para cima? Isso não é possível!” Ela falou para si mesma enquanto
caia cada vez mais, e mais...
Reparou que os ossos nas paredes eram agora apenas um borrão de cores,
até que uma escuridão tomou conta de tudo e ela só pode ver pequeninos insetos
cor de fogo que pareciam cair também, ou voar ao seu redor, ela não sabia ao
certo.
Um deles encostou em sua pele e para sua surpresa e desagrado ele a
queimou. Ela soltou um terrível grito que ecoou por aquele túnel sem fim quando
dezenas daqueles insetos de fogo grudaram nas suas roupas e nos seus cabelos,
que foram aos poucos pegando fogo, porém sua pele continuava intocada, apesar
de sentir toda a dor de cada nova queimadura.
Seus olhos lacrimejavam e sua garganta parecia que ia estourar com
aquele grito sem fim. Até que ela silenciou. O ar que se tornara quente a
sufocava, e o choro da criança que nunca seria ouvido por ninguém era engolido pela
escuridão.
Alice não sabe quanto tempo durou, se era tudo um pesadelo doentio,
macabro. Os insetos de fogo repentinamente a abandonaram naquela queda e uma
escuridão sinistra tomou conta de tudo. Seus longos cabelos não existiam mais,
apenas mechas curtas. Seu belo vestido estava em farrapos e cinzas. Era isso
que dava não seguir os próprios conselhos. Como iria para escola agora? Como
voltaria para a superfície.
O corpo tão molestado agora da jovem garota batia aqui e ali nas paredes
de pedra e isso foi causando a Alice mais dor. Seus braços começaram a sangrar
quando parte da pele foi sendo arrancada ao passar nas rochas quentes das
paredes.
Ela não sabe se foi apenas um minuto aterrorizante, ou dias caindo
direto. Encolhida e em um choro silencioso. Alice caiu, quase desacordada em um
chão duro e gelado, com um impacto mais leve do que esperava, ou talvez aquilo
não fosse quase nada comparado ao que passou durante a queda.
Seus olhos inchados pelas lágrimas se abriram por breves segundos, o
suficiente para ver um grande portal, feito do que ela supôs de um metal
avermelhado brilhante.
O portal se abriu e as coisas que se seguiram foram aterrorizantes
demais para Alice conseguir descrever. Talvez continuar caindo pela eternidade
ou nunca ter seguido aquele coelho teria sido muito melhor do que ela ter
descoberto da pior maneira que a curiosidade, por mais inocente que fosse,
sempre nos conduzia ao Inferno.
– Baseado na obra de Lewis Carroll // by Will Dávila
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